Menina crescia escutando
que não adiantava mentir
porque mãe sempre sabia
Mãe dizia
que lia na testa da Menina,
e que só Mãe sabia ler testa.
Menina tentava tapar a testa com a mão
na hora de mentir.
Mãe achava graça. Muita graça.
E continuava lendo assim mesmo
Menina precisava entender
como essa coisa misteriosa acontecia.
No espelho do banheiro,mentia muito em silêncio.
E na testa, nada escrito!
Aí, Menina descobriu que Mãe também mentia.
E que então não era testa
– era o olho, com um brilho diferente –
que entregava a mentira.
Menina então tentava fechar o olho com força,
para esconder a Mentira.
Mas nem isso resolvia, pois Mãe sempre adivinhava.
Menina tinha era que aprender
a fingir de olho aberto que mentira era verdade.
Menina tentou, tentou… e aprendeu.
Era essa a solução.
Mas de noite Menina ficava apertada por dentro. Assim meio sufocada, não podia nem piscar.
Com o olho muito aberto, não conseguia dormir.
Faltava ar pra Menina.
Igual quando a gente fica quase sem respirar
rindo de uma cosquinha. Só que não tinha graça.
Menina – sem querer – tinha descoberto a Consciência, uma coisa que toma conta da gente
mesmo quando Mãe não está lendo testa,
nem adivinhando olho.
Menina tinha aprendido que ter que fingir doía.
E que desse jeito ia ficar muito sem graça
ser gente grande.
Menina desistiu de crescer.
Mas não adiantava.
Menina via que agora já estava quase da altura
do móvel da sala da vovó.
E ficava muito triste, o aperto apertando mais.
E de tanto que o aperto apertava,
Menina achou que fingir só podia doer tanto
porque era dor sozinha.
Menina teve uma idéia, e ainda não sabia
se era idéia brilhante.
Mas sabia – isso sim – que precisava testar,
pra conseguir descobrir.
A idéia da Menina foi dizer para Mãe
que era difícil fingir.
Menina achava ruim aprender montes de coisas
sem dividir com ninguém.
Menina falou pra Mãe que era muito complicado
e que não era nada bom ter que crescer sozinha.
Mãe abraçou muito apertado a Menina.
E no colo tão esperado Menina estava sendo mãe da Mãe.
Menina sentiu que Mãe estava chorando.
E que Mãe ainda não tinha aprendido tudo.
Mãe não falava nada
Mas uma e outra sabiam naquele abraço apertado
que em Mãe também doía ser gente grande sozinha.
Nessa hora Menina entendeu tudinho.
Descobriu que só carinho é que espanta a solidão.
E que dor, se dividida, fica dor menos doída.
E que aí, dá até vontade de continuar a crescer
pra descobrir o resto das coisas.